EMPILHAMENTOS & COLUNA

Por Andrea Hofstaetter
O trabalho de Ernani Chaves com empilhamentos é resultado de um processo de descobertas permanentes, construídas a partir do próprio fazer – que é a idéia de poïética. É um trabalho aberto a muitas significações. Os objetos apresentados, a forma de construção, a maneira de operar com materiais, dispostos com intenções conscientes e escolhidos a partir de um olhar atento e marcado por estas intenções – tudo se reveste de uma singularidade especial.
Este processo de construção poética é permeado por vivências pessoais profundas e desencadeou-se a partir de um olhar atento, provocado por questionamentos e percepções surgidas no contexto de produção artística, pelas matrizes e madeiras que se “empilhavam” ao lado de experiências com impressões em gravura.
A gravura faz parte da trajetória de Ernani Chaves há bastante tempo. Algo que caracteriza o processo de gravura é a repetição de impressões a partir de uma ou mais matrizes. As matrizes de madeira, no caso da xilogravura, depois de cumprida sua função, são deixadas de lado. São apenas instrumentos que produzem marcas numa superfície, que é considerada a obra.
Pois estes elementos descartados, que serviram somente de meio para chegar a outro fim, chamaram a atenção do artista, que começou a notar que os ‘empilhamentos’ das matrizes descartadas poderiam se tornar uma outra coisa. E que era possível trabalhar com esta idéia a partir da própria questão em jogo, no desenvolvimento de um trabalho em processo, com gravura. Estas pilhas de matrizes tinham alguma relação com as impressões de vértebras, formando ‘colunas vertebrais’, dispostas em paredes, na vertical – mas de forma bidimensional.
A temática da coluna vertebral, trabalhada em xilogravura, no processo de matriz de topo, se transformou em coluna tridimensional. A coluna se destacou do plano da parede e se tornou real. As vértebras, antes gravadas, passaram a ser constituídas pelas próprias matrizes, empilhadas.
A matriz de topo, por sua particularidade material, pode assemelhar-se muito a uma vértebra de coluna. E o empilhamento realizado com diversas delas lembra, de fato, uma coluna vertebral. É uma coluna diferente, no entanto. Coluna frágil, cambiante, vacilante... Coluna sem corpo. Ou, a própria coluna como corpo. Esta coluna produz uma sensação talvez próxima a certo tipo de experiência, relacionada à instabilidade surgida a partir de um impacto sofrido. Esta coluna precisa de um ponto de apoio – no caso, a parede – e mesmo assim não permanece estável.
Dentre as várias possibilidades desencadeadas por este processo, surgiram empilhamentos com diversos elementos e materiais, em diferentes contextos, formando variados tipos de colunas. Dos elementos encostados à parede, o artista passou a realizá-los também no espaço aberto e mesmo ao ar livre.
A idéia de coluna é recorrente na prática arquitetônica e escultórica. A coluna, na arquitetura, inicialmente tem a função de sustentar a edificação. No decorrer da história assume também funções apenas decorativas. As colunas de Ernani Chaves não são nem elemento de sustentação de outra coisa e nem objeto decorativo. São colunas para serem vistas, sentidas e pensadas como o que são – remetem à própria idéia de coluna e jogam também com a idéia de sustentação. Mas de sustentação da própria coluna, a possibilidade e/ou impossibilidade de a coluna sustentar-se a si mesma.
Uma outra forma de empilhamento realizado pelo artista, além dos topos, é o empilhamento com caixilhos. Nestas propostas o elemento utilizado difere bastante. São caixilhos de apicultura. Consistem em formatos retangulares, de forma irregular, fora de uma geometria perfeita. Isto resulta em empilhamentos também instáveis e orgânicos, conforme se pode ver nas imagens a seguir.
Cada empilhamento destes atinge a altura que sua estabilidade permite, chegando a um limite de sustentação de si mesmo. Aqui já não há mais a referência direta ou tão próxima da imagem da coluna vertebral, mas idéia permanece. Forma-se uma coluna a partir de módulos repetidos, independentes, mas em relação uns com os outros. Os empilhamentos com caixilhos ocorrem de modos distintos: em espaço aberto e também encostados à parede.
Mesmo estando apoiados ou sendo elevados até o limite que permita sua própria sustentação na vertical, nada garante que estas pilhas permaneçam em pé. Não se sabe por quanto tempo durará a estabilidade conquistada a princípio. O ato mesmo de montagem das pilhas é acompanhado de quedas e ajustes na tentativa de assegurar um certo tempo de permanência da condição de pilha.
O caráter do precário ressalta nesta proposta. Um aspecto que acentua este caráter é a possibilidade de desmoronamento das pilhas como parte do trabalho. As idéias de precariedade, provisório, instabilidade, imprevisibilidade e fragilidade acompanham esta proposta. E contrastam com o que somos acostumados a ver no nosso cotidiano, em relação às cada vez mais espetaculares produções culturais. O trabalho se coloca mais em relação com o âmbito do inacabado, do que está em processo, do banal, do que permeia nosso cotidiano e pode estar muito próximo – às vezes tão próximo que quase não é visto, que quase desaparece.
O trabalho do artista, aqui, não é o de realização de um objeto perene, que sustentará por muito tempo a contemplação estética de um fruidor idealizado. O que se coloca neste trabalho é a própria condição de provisoriedade não só das produções humanas, sejam artísticas ou não, mas também das formas de arte, das funções que a arte assume em diferentes contextos de produção, e também da própria vida. Cada empilhamento destes, que pode desmoronar a qualquer momento, se nos apresenta como um problema sem solução, que nos desestabiliza e nos coloca, talvez, em nossa real condição de existência: a de não saber, não poder prever e nem poder dominar totalmente o que será no momento seguinte.

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